domingo, 23 de agosto de 2020

Agosto, mês vocacional

 SOMOS AMADO(A)S E CHAMADO(A)S POR DEUS

A palavra Vocação deriva do latim – Vocare – que significa Chamado e está intimamente ligada ao nosso existir como pessoa e ao sentido que encontramos desse existir na vida. O Guia Pedagógico de Pastoral Vocacional da CNBB afirma que “na Igreja, ‘vocação’ é o apelo de Deus que chama uma pessoa para uma missão ou serviço”.

A partir desta definição podemos concluir que vocação é “um inefável diálogo entre Deus e o homem, entre o amor de Deus que chama e a liberdade do homem que no amor responde a Deus” (PDV 36). O chamado ou eleição divina se manifesta em nosso dia a dia por meio de nossa livre e amorosa resposta e adesão ao projeto de Deus, por meio do seguimento a Jesus Cristo. Desta forma, é importante ter presente que não somos nós que escolhemos seguir a Jesus Cristo, mas somos escolhidos(as) pelo Pai e chamados(as) por seu Filho.

É possível, então, afirmar que a vocação está relacionada ao convite que Jesus Cristo dirige a cada pessoa indistintamente: “Vem e segue-me” (Mt 19,21); “Vinde em meu seguimento, e farei de vós pescadores de homens” (Mt 4,19); “Se alguém quiser me servir, siga-me” (Jo 12,26).

No chamado de Jesus há dois aspectos: ir e seguir (cf. Mt 9,9; Mc 8,34; Lc 18,22; Jo 8,12).

 “Vem” é o chamado: o convite pessoal a estar/permanecer com Jesus e tornar-se discípulo e discípula do Mestre.

 “Segue-me” é a missão: o seguimento da prática de Jesus.

Portanto, não é demais relembrar que a vocação nunca é finalizada na pessoa, mas é sempre em vista de uma missão (evangelizar) e para uma comunidade concreta. O aspecto da realização pessoal existe, fomos criados e chamados à vida para sermos felizes, mas essa realização não tem um fim em si mesmo.

A missão decorrente de nossa resposta vocacional como prática do seguimento de Jesus se desenvolve no mundo, para o mundo, e tem um compromisso efetivo com o bem da pessoa humana. A resposta ao chamado de Jesus “exige entrar na dinâmica do Bom Samaritano (cf. Lc 10,29-37), que nos dá o imperativo de nos fazer próximos, especialmente com quem sofre, e gerar uma sociedade sem excluídos, seguindo a prática de Jesus, que come com publicanos e pecadores (cf. Lc 5,29-32), que acolhe os pequenos e as crianças (cf. Mc 10,13-16), que cura os leprosos (cf. Mc 1,40-45), que perdoa e liberta a mulher pecadora (cf. Lc 7,36-49; Jo 8,1-11)” (DAp 135).

Vocação não é isolamento, busca de satisfações, realização pessoal ou de projetos pessoais. Vocação é dar a vida pela defesa da vida (cf. Jo 10,11; 15,13), ou seja, vocação é amar. Um Deus que é amor, chama-nos justamente porque nos ama, e nos chama para amar: “Deus te ama. Nunca duvides, apesar do que te aconteça na vida. Em qualquer circunstância, és infinitamente amado” (ChV 112). Deus vê nossa beleza, somos preciosos aos seus olhos (cf. Is 43,4). “Seu amor é tão real, tão verdadeiro, tão concreto que nos oferece uma relação cheia de diálogo sincero e fecundo” (ChV 117).

Existem várias vocações?

Quando começamos a compreender o verdadeiro sentido da palavra vocação nos damos conta que ela vai se desdobrando em vários aspectos. Para entendermos melhor, vamos comparar com uma flor: se quero presentear uma pessoa com uma rosa não posso dar uma pétala e dizer que dei uma rosa. A rosa é feita de várias pétalas que, juntas, formam o botão de rosa. Assim também acontece com a vocação.

Na convivência cotidiana com Jesus e no confronto com os seguidores de outros mestres, os discípulos logo descobrem duas coisas bem originais no relacionamento com Jesus. Por um lado, não foram eles que escolheram seu mestre, foi Cristo quem os escolheu. E, por outro lado, eles não foram convocados para algo (purificar-se, aprender a Lei...), mas para Alguém, escolhidos para se vincularem intimamente à Pessoa dele (cf. Mc 1,17; 2,14). Ver, também, Documento de Aparecida (DAp), n. 132.

 “Todo discípulo é missionário, pois Jesus o faz partícipe de sua missão, ao mesmo tempo que o vincula a Ele como amigo e irmão. Dessa maneira, como Ele é testemunha do mistério do Pai, assim os discípulos são testemunhas da morte e ressurreição do Senhor até que Ele retorne. Cumprir essa missão não é tarefa opcional, mas parte integrante da identidade cristã, porque é a extensão testemunhal da vocação mesma” (DAp 144).

Existe uma única vocação: a vida. O Papa Paulo VI na Populorum Progressio afirmou: “toda vida é vocação!” (PP 15). Essa única vocação é “marcada” por uma grande vocação, a vocação cristã (cor da rosa) de onde brotam várias dimensões, as vocações específicas (pétalas).

Vocação Cristã ou vocação batismal

A vocação cristã é o chamado que recebemos pelo Batismo para assumir, conscientemente, fazer parte da grande família dos filhos e filhas de Deus e a viver como “criatura nova” em Cristo Jesus. Dito de outra forma: a vocação cristã é o chamado a seguir Jesus Cristo, que é o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Mc 1,17; Jo 14,6).

Pelos sacramentos de Iniciação Cristã (Batismo, Eucaristia, Crisma), dos quais o Batismo é a porta de entrada, recebemos essa vocação cristã comum. É por esse sacramento que fazemos nossa opção fundamental como cristão e comprometemo-nos com a nossa comunidade.

Com o Batismo somos incorporados ao Povo de Deus, comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus. Uma Igreja onde todos, pelo Batismo, vivem a comum dignidade de filhos e filhas adotivos do Pai, chamados à santidade e à participarem, com seus diferentes carismas, da vida e missão de Jesus Cristo, assumindo a dinâmica do discipulado.

Talvez, algumas pessoas se perguntem sobre a necessidade destas afirmações que podem soar um pouco complicadas. Mas, elas querem simplesmente dizer que na grande família dos filhos e filhas de Deus o que conta não é ser isto ou aquilo (bispo, padre, freira, diácono, cristão leigo), o que conta realmente é nossa condição de filhos e filhas de Deus, membros da Igreja (assembleia de chamados), seguidores e seguidoras de Jesus Cristo, chamados e chamadas a viver no caminho da santidade.

Vocações específicas

Anteriormente comparamos a vocação batismal com a cor que dá vida e beleza à rosa; todas as pétalas nutrem-se de uma única fonte de cor, e mesmo com diferentes tonalidades entre as pétalas não podemos dizer que uma se sobressai. As várias pétalas têm jeito e estilo próprio, mesmo sendo muito parecidas entre si formam um conjunto diverso, mas tão harmonioso que vemos a rosa como uma coisa só, e não um amontoado de pétalas.

Na questão vocacional é a mesma coisa. A partir da riqueza da diversidade – que a Igreja é continuamente chamada e impulsionada a viver pela ação do Espírito – que nascem as vocações específicas como formas diferentes de responder e viver um único e mesmo Amor: o seguimento de Jesus e o assumir sua missão.

A partir dessa premissa compreendemos que a vocação específica está relacionada às escolhas de vida que cada batizado e batizada assume na vivência desse único Amor. Elas são divididas em três grandes dimensões: Vocação do Cristão Leigo e Leiga, Vocação à Vida Consagrada, Vocação dos Ministros Ordenados. Em cada dimensão há diferentes aspectos, pois dentro de cada conjunto de vocação específica a pessoa é chamada a fazer escolha por uma, encontrar o seu jeito e sua forma/cor de viver a beleza de ser cristão e amar.


CMOVIC-CNBB
Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Reflexões de Santa Dulce dos Pobres



Na lª Comunhão «Ele» se faz «Um» conosco e d'essa união admirável é que nos vem toda aquela força espiritual que nos leva a aceitar, sofrimento, incompreensão, problemas, tudo enfim, porque temos a certeza que «Ele» está comigo, não estou trabalhando nem sofrendo sozinha … São coisas que só quem as vive pode compreender. Muitas pessoas reclamam que faço errado, protegendo, defendendo os pobres... coitados dos irmãos pobres!! Só quem convive diariamente com eles, pode compreender quanto eles sofrem, quanto eles são carentes da palavra de Deus, de uma mão amiga, que se estenda à mão d'ele. Muitas pessoas me censuram dizendo que faço demais, que vicio os pobres. Quem de nós que se encontrasse na mesma situação d'eles e não queria receber também tudo? o carinho, o amor de Deus, o pão para matar sua fome e a roupa para cobrir a sua nudez. Pouco me incomodam o que dizem de mim, o importante é que vejo Deus, no meu irmão o pobre, e por Ele daria até a própria vida. Quantas vezes as lágrimas me chegam aos olhos, o meu coração dói, quando vejo tanta miséria em volta de mim. Nesta hora, me dá vontade de gritar, de falar a todos que tem tudo, todo conforto, a aqueles aos quais nada lhes falta que vivem em abundância sem se lembrar que bem perto d'eles, milhões estão com fome, doentes, nas sarjetas das ruas. Por favor me ajudem! Me deem o necessário para tirar esses nossos pobres irmãos do barraco coberto de papelão ou de latas velhas, com fome, desempregados, doentes, a família passando fome. Se houvesse mais amor e menos egoísmo o mundo seria outro. Neste nosso trabalho a doação chega ao ponto de nos esquecermos de nós próprios e vivermos a vida dos nossos irmãos. Os problemas d'eles tornam-se nossos, a vida d'eles a nossa vida. Chegamos ao ponto como dizia S. Paulo: «Vivo, já não eu, é Cristo que vive em mim», na pessoa do irmão carente e abandonado. Quando estamos doentes temos tudo: os amigos, a Congregação nos arranjamos. E os pobres? Quem eles têm por eles? Só nós, exclusivamente nós. A minha vocação é o apostolado. O meu carisma é o trabalho com os pobres, procurando salvar as suas almas, levando-as para Deus.

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Testemunho Irmã Maria Gorette da Silva

Sou Irmã Maria Gorette da Silva, tenho 66 anos de idade e 36 anos de vida Consagrada. Sou do município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte. Eu ouvir falar sobre Irmã Dulce no programa Caso Verdade (Programa de TV  que  divulgava o trabalho da freira baiana e, assim, obtinha de todo Brasil, muitas doações para manter as Obras Sociais).

Em 23 de novembro de 1983 cheguei a Salvador para encontrar-me com Irmã Dulce e, assim, dá início à minha experiência de voluntária no Hospital Santo Antônio. Antes, eu tinha enviado uma carta para Irmã Dulce, relatando o meu desejo de compartilhar da missão de serviço aos pobres mais carentes da sociedade. Além disso, eu  também aspirava viver a Vida Consagrada.  Eu havia feito uma experiência vocacional em uma Congregação existente na minha cidade natal. Mas fui convidada a sair da Congregação porque quebrei um dos braços e fui tida como uma pessoa deficiente (naquela época, na congregação em que eu fiz a experiência vocacional, as jovens não podiam apresentar nenhuma limitação física para entrar ou permanecer no convento); por isso fui mandada embora.

Contudo, desejosa de dar continuidade a  minha caminhada vocacional, decidi  viajar para a Bahia e ver mais de perto o trabalho e missão de  Irmã Dulce.  Ao chegar no Hospital Santo Antônio, me deparei com uma cena inesperada: uma multidão de pessoas carentes (pobres) rodeava Irmã Dulce. Naquele momento, era quase impossível chegar até ela. Fiquei muito triste, desanimada e pensei comigo: A Irmã Dulce nem me deu atenção, amanhã mesmo volto para casa... Comentei esse pensamento com algumas voluntárias das Obras Sociais e uma delas me disse: Certamente Gorette, Irmã Dulce pensou que tu eras um dos pobres que teria ido pedir ajuda. Fiquei muito pensativa..., e o desejo de voltar para minha casa imperava. Mas, esta ideia logo foi desfeita quando Irmã Dulce chegou na sala onde eu estava e se dirigiu a mim dizendo: Você é Gorette, a moça que veio do Rio Grande do Norte? Minha filha, seja bem vinda, o trabalho é difícil, mas estamos aqui para salvar almas.  Neste momento uma grande alegria invadiu o meu coração, e, a partir daquela hora, esqueci o plano de voltar para casa.

            Certo dia, irmã Dulce partilhou comigo e outra irmã de caminhada que, nós fomos um grande presente de Deus para ela, porque há muito tempo ela vinha pedindo ao Santo Espírito de Deus pessoas que pudessem se dedicar ao trabalho com os pobres, porque as atividades, com o passar do tempo, cresciam, constantemente.  Ela precisava de voluntários que além de dar uma ajuda braçal pudessem também trabalhar para levar aquelas almas para Deus. Ela desejava de pessoas que cuidassem do corpo, mas também pudessem cuidar da alma daqueles pobres.

Daí surgiu a nossa Associação (atual Instituto) das Irmãs Filhas de Maria Servas dos Pobres. Depois de rezar muito, irmã Dulce decidiu fundar a nossa associação para amar e servir a Deus na pessoa dos Pobres. Assim, no primeiro momento fiquei com outra jovem morando no Hospital Santo Antônio. A  nossa rotina não era nada fácil. Alem de trabalharmos muito sofríamos muitas  humilhações e perseguições por conta do desejo de compartilhar da missão de Irmã Dulce e de viver uma vida de intimidade com o Mestre. Irmã Dulce sempre nos pedia que tivéssemos muita paciência.  E em suas orações ela implorava ao  Espírito Santo ajuda  para resolver tudo com  sabedoria e  prudência.

Em 17 de Janeiro de 1984, Irmã Dulce levou: eu, Ir. Aurinete e Ir. Josefa Dulce para o Convento construído dentro do Centro Educacional Santo Antônio na cidade de Simões Filho-BA, que na época funcionava como orfanato. Esta foi a feliz data da fundação de nosso Instituto.

Sou muito feliz por ter conhecido irmã Dulce e minha vocação se deve muito às crianças do orfanato Santo Antônio. Quando, às vezes,  eu desanimava e queria deixar tudo; olhando para os rostinhos daquelas crianças tão vulneráveis eu pensava... não senhor, não posso deixar a missão que o senhor me confiou de cuidar dessas crianças. Tenho que ajudar irmã Dulce. Então eu me fortalecia na oração e continuava a missão.

Um conselho que a Irmã Dulce deu que nunca esqueci foi a sua última fala antes de sua páscoa, isto é, de sua passagem definitiva para o Reino celestial. Ela se encontrava no hospital, eu fui visitá-la, então ela deu o seguinte aconselhamento: “Minha filha, você vai passar por muitas dificuldades. Coragem! Não desista da Vida Consagrada. Vale apena viver a serviço do Reino de Deus.”