BEATA DULCE DOS POBRES: UMA MULHER PLENAMENTE DE
DEUS E TOTALMENTE DO POVO
Maria Rita Lopes Pontes, posteriormente conhecida como Irmã
Dulce, naceu no dia 26 de maio de 1914 e foi batizada no dia 13 de dezembro do
mesmo ano, dia de Santa Luzia. Ela é a segunda filha entre os cinco filhos do
casal Augusto Lopes Pontes e Dulce Maria Pontes que residia na cidade de
Salvador – Bahia, na rua São José de Baixo, bairro da Lapinha.
Em 1921, Maria Rita, com apenas seis anos de idade, fica
órfã de mãe. Em seguida, Regina, a sua irmã recém-nascida que não resistiu à
falta do aleitamento materno, também falece. Assim, desde cedo, ainda sem
compreender bem a morte e o sofrimento, Maria Rita experimenta a dureza da
separação, aprendendo a ser resiliente frente aos desafios que a vida
apresenta.
Com a morte de Dona Dulce Maria, Augusto Lopes Pontes e
seus filhos foram morar num sobrado em cima do armazém Porto Rico, na Rua
Quitandinha do Capim, bairro de Santo Antônio, centro histórico de Salvador. O
pai de Maria Rita contou com a ajuda de três irmãs consaguíneas para cuidar e
educar as crianças. Elas eram bastante religiosas, ofereceram uma concreta
formação cristã aos sobrinhos e os incentivavam a ter uma vida de oração, de veneração
a Virgem Maria e de compaixão para com o próximo.
Maria Rita era uma criança um pouco “levada”, gostava de
guerrear com seus irmãos, brincando de jogar sementes de mamona uns nos outros.
Era apaixonada por futebol, gostava de empinar pipas, além de brincar de
bonecas e cantigas de roda. Ela teve uma infância
tranquila como qualquer outra criança de sua época e soube viver bem esta etapa,
fazendo coisas próprias de sua fase infantil.
Porém aos treze anos de idade a sua rotina começou a mudar.
Uma de suas tias, ao observar a sua vida de travessuras, inquietou-se e a
chamou para conversar, dizendo que ela já era uma mocinha e que precisava
enxergar o outro lado da vida. Assim, Maria Rita renunciou ao futebol dos
domingos, pois era acostumada a ir com o pai assistir toda semana o jogo do Ipiranga,
e passou a acompanhar a tia nas visitas a pessoas enfermas e empobrecidas de
alguns dos bairros do município de Salvador.
Este primeiro contato com a miséria suscitou algo muito
profundo em seu coração; a partir daquele momento ela inquietou-se e se
sensibilizou com o que tinha presenciado e experimentado nas visitas pelas
favelas da cidade. Desde então, passou a acompanhar sua tia em todas as visitas
e não pensava em outra coisa a não ser na difícil situação dos pobres. Estes,
por sua vez, passaram a procurá-la com frequência em sua residência.
Ela atendia os empobrecidos fazendo compressas e curativos,
concedia remédios, dava banho nas crianças, oferecia roupas usadas que
conseguia com os vizinhos e, além disso, dava comida aos famintos e algum
dinheiro para aqueles que precisavam. Era interessante como a alegria de
assistir a uma partida de futebol tinha sido substituída pelo contentamento de
poder cuidar e ajudar o próximo.
Seu pai era cirugião dentista, um homem muito generoso que,
aos poucos, foi acolhendo aquela atitude da filha que revelava maturidade e
compaixão. Porém, sempre a advertia: “Minha Filha, isto aqui não é portaria de
São Francisco!” Esta fala já é um prenúncio da grande
semelhança que a vida e vocação da Santa Dulce dos Pobres teve com o testemunho evangelizador
do jovem de Francisco de Assis. Assim como ele, Irmã Dulce cultivou um amor pela
pobreza, enamorando-se do Cristo pobre, simples e crucificado.
Neste contexto, aos treze anos de idade, Maria Rita
desperta a vocação para a vida religiosa e deseja ingressar no convento. Todavia,
o seu pai lhe sugere para esperar um pouco mais, pois ainda era muito jovem, pensando
que era apenas uma vocação passageira e decisão precipitada. Contudo, ele se
enganara, porque à medida que os anos passavam, Maria Rita nutria no coração o
desejo de consagração, e seu comportamento denunciava o que pretendia. Buscava
sempre o silêncio e a vida interior e, todos os dias, antes de ir para a aula
na Escola Normal da Bahia, participava da missa na Igreja Santana, localizada na Rua
do Carro, bairro de Nazaré, Salvador. Aos
quinze anos de idade, Maria Rita tenta entrar no convento sem comentar nada com
a família. O pai descobre e, novamente, pede que ela tenha paciência e espere
mais um pouco até terminar o curso de Magistério.
No dia 09 de agosto de 1932, Maria Rita forma-se como professora
primária pela Escola Normal da Bahia. Ela dispensa toda a solenidade e gastos que
teria com a formatura para investir nas despesas da sua entrada no convento. Depois
de ter concluído mais uma etapa de sua vida, a única coisa que ela desejava
naquele momento era o seu tão sonhado ingresso no convento.
É válido notar que, durante o tempo de amadurecimento
vocacional, Maria Rita conhece a Ordem Terceira Franciscana, hoje conhecida
como Ordem Franciscana Secular (OFS) e frequenta nolo-a durante,
aproximadamente, quatro anos. Assim, em 15 de janeiro de 1933, faz a
consagração e recebe o nome de Irmã Lúcia. Neste período, ela assimilou a
espiritualidade franciscana, o que a motivou mais ainda para uma consagração
total a Deus por meio da Vida Religiosa conventual.
Nesse mesmo ano, dia 08 de fevereiro, Maria Rita entra na Congregação
das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, no convento de Nossa Senhora do Carmo, em São Cristovão –
Sergipe. A despedida de Maria Rita não foi fácil. A separação de seus
familiares para seguir a Vida Religiosa foi uma atitude bastante corajosa, como
ela própria vai dizer posteriormente às suas filhas espirituais: “a vida
religiosa exige muitas renúncias às quais começam a ser executadas no primeiro
momento da decisão.”
Em uma carta direcionada à madre da sua congregação de
origem, ela dizia: “quando chegamos ao convento, nascemos outra vez para viver
somente para Jesus”. Logo, isso demonstra que, mesmo sendo
difícil separar-se do pai e dos irmãos que tanto amava, ela tinha convicção do
que estava fazendo, pois desejava “nascer” para uma vida de total doação e
submissão à vontade de Deus.
Ao chegar no Convento do Carmo, em São Cristovão, Maria
Rita e mais seis jovens entram no Postulantado (na época esta era a primeira
etapa da formação inicial). Esta fase durava seis meses, nos quais as jovens tinham
a oportunidade de aprofundar os conhecimentos acerca do carisma e espiritualidade
da congregação, além de dedicarem-se aos trabalhos do dia a dia, à vida de
oração e à vivência fraterna.
Conta-se que Maria Rita era muito responsável com as
tarefas do Convento. Tinha uma grande atitude de humildade ao ser corrigida,
era terna, companheira e bondosa; transmitia alegria, segurança e confiança. Sabia
acolher e compreender as dificuldades de suas irmãs. Amava o silêncio, gostava
de contemplar o céu, o mar e a natureza.
No dia 15 de agosto de 1933, Maria Rita e as demais postulantes
são admitidas ao Noviciado. Nesta época era comum, na Vida Religiosa, mudar de nome.
Assim, Maria Rita recebeu o nome de sua mãe, e passou a ser chamada de Irmã
Dulce. Grande alegria invadiu o seu coração pelo fato de ter recebido o nome de
sua mãezinha que partira com apenas 26 anos de idade para junto do Pai Eterno,
mas que era tão presente na vida de Maria Rita.
Após um ano de Noviciado, exatamente no dia 15 de agosto de
1934, Irmã Dulce, com suas companheiras de Noviciado, faz a Profissão Temporária
e emite, diante da sua família religiosa e da comunidade cristã, os votos de
pobreza, castidade e obediência. No mesmo dia da profissão, as jovens professas
souberam a quais comunidades da Congregação seriam enviadas.
Naquela época, não era comum enviar a jovem para seu estado
de origem, porém, para grande surpresa de Irmã Dulce, ela fora enviada à cidade
de Salvador, e desenvolveria a missão no Sanatório Espanhol. Neste local, ela
atendia na portaria e ajudava na limpeza do hospital. Fez um curso de práticas
de farmácia para aprender a manipular receitas e remédios, com vistas a desenvolver
com mais eficácia a missão.
Irmã Dulce não ficou muito tempo no Hospital Espanhol; logo
foi enviada para o colégio Santa Bernadete (colégio particular das Irmãs
Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus) com o intuito de lecionar
geografia para crianças. A escola era anexa ao convento da Penha, no bairro da
Ribeira, Cidade Baixa, em Salvador.
Contudo, Irmã Dulce não estava tão satisfeita em sala de
aula. Sentia que Deus a chamava para desenvolver outra missão. Ela dava aula,
mas seu coração estava fora dos muros da escola. Sentia-se chamada a ir ao
encontro dos pobres, formá-los e educá-los na fé, conhecê-los e fazer parte de
suas vidas. Por isso, com a autorização da Madre Provincial, deixa o trabalho
de professora e parte ao encontro dos pobres nas favelas e bairros periféricos
de Salvador.
O trabalho com os
pobres ganhou uma dimensão grandiosa e Irmã Dulce passou a ser reconhecida por
todo o Brasil. De vários lugares do país vinham doações de gêneros diversos para
o trabalho com os pobres. Contudo diante desta realidade positiva, as obras
sociais também tinha suas inúmeras dificuldades como toda instituição.
A congregação a qual Irmã Dulce pertencia termia assumir a administração daquele hospital que
naquele momento tinha expandido e ganhado o teor de uma Obra Social. Apesar de
as Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus confiar na grande
habilidade administrativa de Irmã Dulce, ainda assim elas se preocupavam com os
débitos e crescimento das Obras Sociais.
No ano de 1964, houve
uma eleição de uma nova madre provincial, esta era muito competente, preparada,
mas intransigente no que se referia à observância da regra da congregação. Esta
madre provincial passou a visitar as casas da provincia, em especial o convento
Santo Antônio. E logo não acolheu bem o modo de vida que as suas irmãs estavam
vivendo, na época Irmã Dulce morava com quatro co-irmãs e duas voluntárias. E a madre provincial logo alegou que as irmãs
precisavam viver com mais radicalidade a vida de clausura, porque segundo as
constituições da congregacional todas as freiras deveriam viver a vida de
contemplação. Além disso, ela alegou que as irmãs deveriam observar e viver
mais a vida comunitária. Tudo isso foi uma grande pedra no sapato de Irmã
Dulce, porém ela não desanimou de seus ideais, pois tinha apenas um desejo:
realizar a vontade de Deus.
Assim a provincial
decidiu transferir as irmãs e fechar o convento Santo Antônio. Irmã Dulce ficou
muito triste e aflita. Com quem ficariam os seus doentes, pobres, crianças
abandonadas? Logo ela recorreu imediatamente ao remédio da oração; pedindo ao
Santo Espírito de Deus discernimento para ter forças e agir no momento
adequado. Em seguida ela buscou
orientações de seu confessor, Frei Hildebrando e também de outros sacerdotes e
religiosos. E todos lhe deram o mesmo aconselhamento: “Fique no seu lugar”.
Mais tarde Irmã Dulce direcionando uma
carta a sua madre provincial até revela que:
“Vários sacerdotes e outras pessoas me solicitaram que eu me filiasse a um
outra congregação ou fundasse uma nova. Não aceitei, renovando sempre, no íntimo
do meu coração, a minha primeira escolha.”
Então, após um sério
discernimento e intimidade com Cristo através da oração Irmã Dulce marca uma
audiência com a madre superiora e pediu-a mais um tempo para pensar; na verdade Irmã Dulce não queria deixar os seus pobres, pois tinha a conficção que
abandonar aquele que mais necessitava de nossos cuidados e atenção é abandonar
o próprio Cristo. Ela tinha a compreensão de que o que fazermos ao próximo, tem
também uma dimensão transcendente (cf: Mt 25, 40), a nossa redenção como diz o
papa Francisco no documento: A alegria do evangelho, “tem sentido social,
porque Deus, em Cristo, não redime somente a pessoa individual, mas também as
relações entre os homens (p.147). Portanto Irmã Dulce acreditava que a misericórdia, a caridade e atenção para com
os necessitados eram a chave da porta do céu.
Mas a provincial
estava com o coração endurecido, e com muita intransigência orientou a Irmã
Dulce a pedir para ser desenclausurada. O objetivo da madre provincial era
proteger a congregação do grave perigo que as Obras Sociais poderia apresentar,
pois o seu crescimento poderia logicamente proporcionar grandes dificuldades
relacionadas a diversas estâncias administrativa ou não.
Muito triste com tudo
que acontecia, Irmã Dulce recorreu ao Dom Eugênio Araújo Sales, bispo da arquidiocese de
Salvador, pois aquela altura ele era o único que poderia tentar resolver sua
situação, uma vez que a própria congregação já havia lhe dado o aval de tudo.
O bispo Dom Eugênio,
buscando orientações de terceiros concluiu que Irmã Dulce não poderia abandonar
as Obras Sociais porque acarretaria uma repercussão negativa sobre a Igreja e
toda a nação brasileira. Além disso, ele percebeu a situação do pedido de
desenclaustração de Irmã Dulce a partir de outro ponto de vista, pois o que se
tinha como uma atitude de desobediência, na verdade era um desobedecer em prol
do bem comum. Isto revelava, desde já, indícios da santidade daquela pequena
freira que com coragem e grande ardor missionário quebrou alguns paradigmas
religiosos e sociais, tão somente para favorecer o bem está da população mais
carente da sociedade de sua época.
Enfim, Irmã Dulce foi
desenclaustrada e a comunidade do convento Santo Antônio dissolvida; as suas co-irmãs foram enviadas para outras comunidades e Irmã Dulce permaneceu
no convento Santo Antonio sozinha, isto é, com nenhuma irmã de congregação. Mas
duas voluntárias permaneceram morando com ela, e duas irmãs biológicas
dispensaram-lhe grande ajuda, sobretudo no trabalho com os pobres e enfermos do
Hospital Santo Antônio. Além disso, o bispo
de Salvador, Dom Eugênio responsabilizou-se
diretamente por ela e a apoiou no trabalho junto aos pobres na cidade de
Salvador.
Mas mesmo após este evento,
da desenclaustração, os problemas não tinham se resolvido por completo, uma das
co-irmãs de irmã Dulce sugeriu que ela
não permanecesse com o hábito da congregação por conta do desenclaustro, mas
decididamente Irmã Dulce logo se
manifestou contra esta proposição e disse: “Nunca
tive a intenção de me separar, nem nunca terei. Quero morrer como religiosa,
membro da nossa congregação.”
Sendo assim, ocorreu
que no ano de 1965 Irmã Dulce ficou desenclautrada. Sua despedida das
co-irmãs que a acompanhava no trabalho aos pobres foi marcada por grande
tristeza e a partir de então toma mais força os seus momentos de noite escura,
de solidão. Porém o que lhe fortalecia diariamente era a oração, bem como a certeza
que sempre tinha de que: “Nada na vida deveria
dificultar o nosso caminho em direção ao céu. Tristeza, desconforto, dúvidas,
problemas de qualquer espécie, nada disso deve contribuir para o enfraquecimento
da nossa vocação” ( Posterior carta de Irmã Dulce às suas filhas
espirituais, 18/01/1984).
A dor de Irmã Dulce
foi grande, mais maior foi a graça de Deus em sua Vida. Como ela mesma dizia:
“Deus é o nosso organizador, o cérebro que tudo pensa e executa.” E assim ela fez,
deixou o Pai Eterno executar o seu plano divino em sua vida, e soube
muito bem equilibrar as emoções e ser resiliente a todas as dificuldades que
tinha que enfrentar pois tinha a conficção de que: “O essencial em nossas
vidas é ter Deus no coração, porque Deus é como nossa respiração, não pode nos
faltar, sem Ele não temos vida.” E assim, ela acolhia tudo com um tímido
sorriso, sem guardar resentimentos ou qualquer tipo de emoção negativa; não
murmurava e se deixava ser apenas um “simples
e humilde instrumento nas mãos de Deus.”
Após dez anos de
desenclaustração Irmã Dulce em 1975 pede a madre provincial para voltar a ser
reintegrada à sua amada congregação, pois, como já se sabe, o seu objetivo não era sair da sua
congregação, mas achar uma forma de conciliar a sua vida em comunidade e a
assistência às Obras Sociais.
Logo, foi admitida à
comunidade e tem novamente a presença de suas co-irmãs no Hospital Santo
Antônio compartilhando consigo a missão de servir a Jesus Cristo através dos
enfermos, pobres e desabriagados.
A medida que o tempo
passava, a sua Obra crescia, ou melhor a obra de Deus, como era acostumada
dizer Irmã Dulce para as pessoas. E
assim o trabalho se multiplicava e era cada vez mais reconhecido na nação
brasileira. E o amor de Irmã Dulce crescia cada vez mais
pelos necessitados, a ponto de dizer: "nós vivemos não a nossa vida, mais a
daqueles que Deus nos confia a ter a responsabilidade de cuidar e amar."
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